Por JB Serra e Gurgel (*)

Em todos os grupos há pessoas que destacam por seus gestos e atitudes.

De certa forma, o Ceará é pródigo nos biotipos que se caracterizam por respostas prontas e espontâneas para perguntas ingênuas ou idiotas. Três referências ganharam notoriedade. Uma nacional, Paula Ney, poeta e boêmio. Outra estadual, Quintino Cunha, piadista e frasista. Outro local, seu Lunga, no Cariri, tido como “topeira ambulante”, “tolerância zero”, “saraiva”.

Em Acopiara, temos o nosso, José Gurgel da Silva, Zé Tó, que não sofreu a influência de Quintino Cunha, que por lá passou.

Cresci vendo Zé Tó na sua loja, na Rua Marechal Deodoro. Ficava intrigado com o nome. Até bem pouco tempo nem sabia que era Gurgel. Imaginava eu tratar-se de membro de uma família judia, Toh, que se diasporou e foi bater em Lages, depois Afonso Pena e hoje Acopiara. Ignorância minha, certamente. Era de estatura mediana, meio gordo e careca. Vestia-se com sobriedade, ria pouco, mas era querido e estimado. Por trás de uma aparente carranca, estava ele, generoso, simples, humilde, solícito.

Aqui vão algumas de suas estórias,que está no imaginário de muitos e no anedotário da cidade, recuperadas numa conversa com meu pai, Nertan, tios Nilo, Napoleão e Nicanor, primos de Zé Tó.

1. Primo de Nicanor Gurgel o tratava bem. Mas um dia, um freguês comprou uns armadores de rede na loja dele.Ao passar na sua, perguntou, já sabendo, onde comprara. Diante da resposta, não deixou barato:
- Os armadores do Nicanor não prestam, são feitos com grampos de fixar os trilhos nos dormentes na estrada de ferro”.

2 – Um freguês entrou na sua loja, viu uma pilha de pedra de amolar e afirmou que queria a de baixo que lhe parecia mais dura. Para a exigência, uma dissuasão:
- Pode morder da primeira até a última que todas são duras.

3 - Para outro freguês que também exigiu a pedra de baixo da pilha, uma sugestão:
- Volte depois, primeiro vou vender as de cima.

4 – Celso Albuquerque de Macedo, nosso historiador oficial, deu outra versão para a venda de pedras de amolar.
- “O sr. só examinará a última pedra quando forem vendidas as outras que estão sobre ela”.

5 – Certo dia, ao falar rápido com um freguês foi por ele aparteado, assinalando que estava cuspindo-o, e que precisava abrir um guarda-chuva, explodiu:
- Quem está cuspindo é o c. de sua mãe.

6 – Diante de uma freguesa que lhe pedia pra mostrar peças de tecidos, começou a coçar os olhos por debaixo dos óculos que usava e foi por ela aconselhado:
- Tire os óculos, seu Zé, para coçar os olhos.
- Minha filha, quando você coça a virilha tira as calcinhas...

7 – Chegou em casa com carne de porco, costela, pernil e cabeça. Sua empregada lhe perguntou o que fazer com a cabeça.
- Bote no chiqueiro e bote um litro de milho para ela.

8 – Foi a agencia do Banco do Brasil levando na mão uma penca de bananas. Depositou cheques e sacou dinheiro.O caixa quis saber o que desejava fazer com as bananas.
- Depositar. Você deposita pra mim.

9 – Entrou na farmácia e a vendedora, sua conhecida, se surpreendeu:
- padrinho, o sr. está sentindo alguma coisa?
- Se eu entrasse num cemitério seria por que estaria morto?

10 - Alguém de suas relações lhe disse:
- Zé , está me dando uma coisa...
- Então, receba.
- Mas é uma coisa ruim demais...
- Então, não receba.

11 – Um freguês chegou na sua loja com um pacote de fazenda comprada nas Casas Pernambucanas. Queria comprar brim.
Ele tomou o pacote, abriu e começou a rasgar a fazenda comprada, dizendo que não prestava, era de baixa qualidade, etc. e tal
O freguês, aperriado, deixou o pacote, foi embora e desistiu do brim.

12 – Um amigo seu queria vender um sitio e um açude. Lhe disse que a açude era tão bom que até passava água por cima.
Reagiu que não prestava, pois só seria bom se passasse água por baixo....

13 – Outro comprou um cavalo de um cigano no tempo em que os ciganos passavam por Acopiara vendendo cavalos roubados. Mais tarde, descobriu o cavalo era cego e se queixou a Zé Tó.
- O que o cigano lhe disse quando vendeu?.
- Que o cavalo tinha um defeito na vista.
- Então está tudo esclarecido.

14 – Um freguês, conhecido por ser mau pagador, chegou na sua loja e pediu uma rede boa e grande. Mostrou-lhe uma pequena e ruim.O cidadão insistiu que queria uma rede boa e grande.
- Então vá primeiro pagar suas contas no comércio, pois não lhe vendo nem boa nem ruim, nem grande nem pequena.

15 – Um freguês chegou na sua loja pediu um chocalho grande. Trouxe-o. O cidadão se pôs a badalar o chocalho, para ouvir bem alto o som. Irritado, reagiu.
- Está chamando seu pai ou sua mãe?

16 – Vinha subindo a rua da Escadinha, onde morava, trazendo um balde de leite. Alguém se aproximou e perguntou:
- Isso aí é leite, seu Zé Tó?
- Era.
Virou o balde e derramou o leite na rua.

17 – Doutra feita estava consertando o telhado de uma casinha, substituindo telhas quebradas.
- “Seu Zé Tó, o sr. está colocando telhas novas?
- Não estou quebrando as velhas.
Enfiou o pé nas telhas quebrando o que estava bom.

18 – Uma senhora que vendia pequi nas casas em Acopiara chegou a casa de Zé Tó que estava na varanda.
- Quer pequi, Tó?
- Deixe de ser besta, me respeite.
Na realidade, diz-se que ela indagava era “quer prequi, Tó!. O cacófato para os cearenses mais antigos é um palavrão .

18 – Celso Albuquerque de Macedo, nosso historiador oficial, deu outra versão para a venda de pedras de amolar.
- O sr.só examinará a última pedra quando forem vendidas as outras que estão sobre ela”.

19 – Um cidadão quis alugar uma casa sua. Mandou que passasse domingo ´s9hs, em sua casa. Quando chegou encontrou Zé To merendando, quer dizer, lanchando. Zé To não se pertubou. Ante a indecisão do futuro inquilino, explodiu:
- Resolva. Ou merendo ou alugo o prédio. Não posso fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

Dessa forma, Zé Tó se transformou num personagem da cidade, por suas observações, respostas, considerações desconcertantes

JB Serra e Gurgel é jornalista e escritor, nascido em Acopiara.

(*) JB Serra e Gurgel (Acopiara) jornalista e escritor

 

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