Por JB Serra e Gurgel (*)

Vicente Paula Cavalcante, 72, nascido em 12.01.1940, a exemplo de Zé buchinho, figura folclórica da cidade, nasceu em Lages, mudou-se para Afonso Pena e depois para Acopiara, mas diferente dele, varreu os céus, terras e mares, como paraquedista do Exército, vendedor no Rio e no Espirito Santo, garçon em navios do Lóide, embarcando e desembarcando navios cargueiros ou de cruzeiros, em portos de muitas marias, conquistou dez mares e oceanos, os dois famosos canais do Panamá e Suez e muitos golfos e baias.

Entende tudo de navios e oceanos. Poderia ter sido comandante emérito da Marinha Mercante ou da Marinha de Guerra, por conhecimento do oficio, certamente desconhecido por muitos almirantes e comandantes de bar e terra. Filho de Francisco Vieira Cavalcante e Perpétua (Perpetinha) Gurgel Cavalcante, neto de Julio Elpidio da Silva e Antonia Gurgel da Silva, bisneto de Vovô do Rio (Henrique Gurgel do Amaral Valente, um dos refundadores de Acopiara) é irmão de Francisco das Chagas, Luiz Gonzaga (Babel), Tereza e Raimundo Nonato Gurgel Cavalcante, este de criação (adotivo). Não ganhou Gurgel no nome, mas na sua história. Seus pais foram donos de pequeno comercio em Campos Sales, Catarina, Pedra Branca e Acopiara.

Fez o curso primário em Catarina, a 20 km de Acopiara, para onde seus foram abrir comercio e aos 12 anos já estava no Seminário São José do Crato. Ficou só dois anos e se transferiu para o Colegio Diocesano do Crato.

Em 1960, aos 18 anos, tomou sozinho uma decisão heróica, mudar-se para São Paulo, na busca de horizontes e de futuro. “Levei Acopiara no coração”, disse. Depois de 12 dias na carroceria de um pau de arara chegou ao eldorado. “tentei sobreviver com dignidade, mas só aguentei quatro meses, trabalhando como garçon em bares na Avenida São João, tomando em seguida o rumo do Rio de Janeiro, onde morava seu tio Teófilo Gurgel, sargento da Marinha, que era sua referência. Foi parar no Catete, na rua Benjamin Constant 70, onde também moravam seus primos José, Jaile e Alcebíades, todos de Acopiara. Ali foi encaixado num a vaga para dormir.

Passou a trabalhar em terra inicialmente como cobrador da Galeria Carioca, de porta em porta, caçando devedores, depois vendeu discos e peças de automóvel. Em 1962, fez o serviço militar obrigatório, onde encontrou dois amigos de infância de Acopiara, Bolivar e Bismarck, filhos de Pericles, e Antonio Catarina, filho de Antonio do Cedro, que eram sargentos e que o levaram para o Núcleo dos Paraquedistas. Depois de cinco tentativas de salto, frustradas, e três meses de estágio, saltou de paraquedas em Gramacho, sendo brevetado. Dali saiu para integrar o Batalhão Suez, missão de apoio militar da ONU, em Suez, embarcando no 11º contingente. Voltou ao Brasil, deu baixa, foi morar na Rua do Catete e procurar emprego, recomeçando no Laboratório Astra do Brasil, topando ser propagandista no Espirito Santo. Foram oito meses de sacrifícios entre Vitória e Rio.

Em 1965, entrou para o Lóide Brasileiro ,a maior empresa marítima do pais, de cabotagem e passageiros, com 60 navios próprios e que chegou a ter 1.200 navios afretados.

A empresa tinha bom conceito e má administração.

Tinha quase 100 empregados por navio. Esteve nos quatros navios de cruzeiro, Princesa Isabel, Leopoldina, Rosa da Fonseca e Ana Nery, fazendo a costa brasileira. Foram quatro anos como garçon. Muitas vezes quando chegava ao Rio, dirigentes do Lóide e apaniguados iam à bordo se fartar da boa comida, boa bebida e dos licores.

Foi então passar um ano no mundo a bordo do cargueiro Dinamarca Madskou, da Oveskou, como garçon do comandante, taifeiro e serviços gerais. O que aprendeu no Lóide lhe serviu tempos afora quando trabalhou por 18 anos para a maior empresa brasileira de despachos marítimos a Aapro&Lachmann, fundada em 1927, com responsabilidade de resolver todos os problemas relativos à chegada e a partida do navios de cabotagem e do pessoal no porto do Rio de Janeiro, junto à Saúde dos Portos, Capitania dos Portos, Policia Federal e Alfandega, alcançando também abastecimento de combustível e de água potável, escoamento sanitário, mantimentos, proteção do pessoal na escala do navio. “Não era fácil, Marinheiro no porto quer mulheres, diversão, programas. Problemas surgiam do nada, recorda. Deu muito trabalho embalsamar e embarcar um tripulante morto no Rio. Depois de semanas, a família pediu que o corpo fosse cremado!”.

Vicente foi testemunha ocular da grande perda que o Brasil teve com o fim do Lóide e das demais empresas. “Perdemos a navegação de cabotagem, num pais com uma costa de 5 mil km,e de passageiro. Os estrangeiros até hoje fazem a festa, pois 90% das exportações brasileiras vão por navios. Viu também o porto Rio mirrar e renascer em Sepetiba, Itaguaí no Caju, com os novos terminais de contêiners .

Vicente casou com Lourdes Cavalcante, de Cantagalo -RJ. Tem dois filhos: Wladimir, escrivão da Polícia Civil do Rio de Janeiro, e Silvana tenente médica do Exército. Tem três netos: Isacc, de Wladimir e Rafael e Laura, de Silvana Hoje curte seu tempo entre Campo Grande/RJ, Acopiara, Fortaleza, em terra firme. Como dança conforme a música, conhece os salões da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Recentemente voltou aos mares, no Fantasia, da MSC, que onde caberiam os quatro navios do Lóide, dando um curso de curta duração- sobre os dez mares e oceanos. Lamenta que Acopiara não tenha porto nem transporte marítimo, fluvial, lacustre, açudal, barrajal que lhe proporcione condições minimas de se meter no túnel do tempo.

(*) JB Serra e Gurgel (Acopiara), jornalista e escritor.

 

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