Por JB Serra e Gurgel (*)

 

Convivi muito pouco com meu bisavô, Henrique Gurgel do Amaral Valente, patriarca da família Gurgel de Acopiara.

 

Convivi um pouco mais com meu avô, Francisco Gurgel Valente.

 

Gurgel, Valente e Amaral são famílias com presença no Ceará, a partir de Aracati, com outros núcleos  em Acopiara, Quixadá, Senador Pompeu e Fortaleza.

 

Meu bisavô chegou à Acopiara em 1908, conforme relata o nosso historiador Celso Albuquerque de Macedo. Caminhamos para marcar o centenário de nossa chegada a Lages, depois Afonso Pena, hoje Acopiara.  Eu e seus 1.300 descendentes, por mim até agora contados com o entusiasmo de todos nós. Para isso criei um site na internet, onde poderão entrar os que ainda estão fora. http://geocities.yahoo.com.br/gurgelvalente/minhapagina.html

 

Era um comerciante que acompanhou com seu irmão, Teófilo, a construção da malha ferroviária do Ceará, para a região Sul, como fornecedor de alimentos, tecidos, calçados,  miudezas e ferragens aos  anônimos trabalhadores que se envolveram no preparo do terreno, fixação de dormentes e trilhos. Isto sem moeda corrente,  à base do caderno, com as dívidas sendo liquidadas ao final do mês, no dia em que chegava o vagão pagador.Vendas à prazo, fiado,  sem juros!. Seu irmão, Teófilo, voltou de Baturité para Fortaleza, onde implantaria com a família Siqueira a Usina Ceará, conhecida por Siqueira Gurgel, que produziu o sabão pavão, o óleo pajeú e o sabonete sigel. Henrique foi em frente até Lages, distrito de Telha , depois Iguatu, onde se estabeleceu.

 

Imagino o impacto da construção da Estrada de Ferro de Baturité, mais tarde RVC,  que chegou a ter 20 mil trabalhadores, na grande seca de 1880,  marcando a ocupação territorial do sertão Central do Ceará, criação de pequenos núcleos populacionais à volta das estações, algumas delas para fornecimento de água e lenha. O trem de carga e passageiros seria instrumento de progresso e desenvolvimento, estimulando a agricultura e a pecuária. Era uma época em que o Brasil andava nos trilhos. Pessoas,  safras e animais viajavam de trem. Todo mundo era feliz e não sabia.

 

Meu bisavô, Vovô do Rio,  comprou uma gleba de terra da família Lages, povoadores  da região, aproveitando o leito do rio seco, Quincoê, de fato, um riacho,  instalando num alto uma casa  de alvenaria, onde inicialmente residiu. Fez um pequeno açude,”Poço Grande”,  irrigou adiante um brejo onde plantou cana, para fazer rapadura em engenho puxado a burro,  além de legumes, frutas e verduras. Aguardou a chegada do trem em 1910,  e assistiu a elevação de vila  Lages a município em 1921,  passando a Afonso Pena em 1938 e a Acopiara em 1943. para quem dedicou parte de sua vida correndo atrás da ferrovia, sem residência fixa.Não foi sem razão que seus filhos nasceram em diferentes vilas, depois cidades, que  se formaram  enquanto lá vinha o trem e ele  tocava seu pequeno negócio.

 

Fixando-se  em Lages, abriu  também um armazém para vendas de secos & molhados para abastecimento da população local, no mesmo sistema do caderno. Depois construiu uma casa na atual Praça Monsenhor Coelho, ao lado da igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, onde o vi algumas vezes ao lado da bisavó Joaninha. Por esta casa, passaram filhos, netos, bisnetos, genros e noras. Passou a cidade inteira que lá ia comprar bananas,  laranjas, galinhas e ovos. Políticos em busca de apoio, humildes em busca de apoio. 

 

Nativos como os das Lages e os Albuquerque e migrantes que chegaram junto com ele, vindo de outras regiões, Celso de Oliveira Castro, Francisco Guilherme Holanda Lima, Pedro Alves de Oliveira, Antonio Henrique da Silva, Cazuzinha Marques, Manoel Ferreira Lima e Antonio de Pinho Vieira encarregaram com notável competência do mando político. Nas suas  passagens pelo espectro do poder político,  Vovô do Rio  foi vereador do distrito de Lages em Teha (Iguatu),  chefe de polícia  e  coletor estadual, aqui quando já afastado de seu armazém.  Mais tarde, sua filha, Antonia, chegaria a agente dos Correios, seu genro, Valdizar Brazil, a agente da estação da RVC, seu filho, Francisco Gurgel Valente, meu avô, a chefe de polícia,  vereador e presidente da Câmara de Acopiara, seu filho, Eduardo Gurgel Valente, a coletor estadual, sua filha, Lídia Gurgel Valente, professora de várias gerações. No apogeu, vovô Chico Henrique montou usina de beneficiamento de algodão que dotou Lages de  energia elétrica..

 

Mas a ferrovia que aproximou e integrou os Gurgel à Acopiara  se encarregou de deflagrar  a diáspora com os filhos e  netos buscando estudos e trabalho fora.  A dispersão iniciada na década de 40 se acentuou em 50 e explodiu em 60. Hoje, não são muitos os Gurgel de Acopiara presentes na cidade. A maioria migrou para Fortaleza e outros recantos da pátria.

 

Alguns Gurgel homens  chegaram a vereador. Os Gurgel mulheres foram mais longe: uma trineta chegou a prefeita (Sheila); outras netas e bisnetas (Adelaide, Maria Auristela, Maria Heloisa, Heloisa, Suzana e Rosemari)  casaram-se com prefeitos de Acopiara. Outra trineta (Tânia) chegou a deputada estadual.

 

Disse-me dom Newton Holanda Gurgel, bispo emérito Crato e neto de Vovô do Rio,  que historicamente, a família Gurgel  - em Acopiara e outras regiões do Ceará – não considerava a política uma arte nobre. Em tempos recentes, só um chegou a deputado federal, Ernesto Gurgel Valente, de Aracati.

 

Pode ser que por trás de tudo isso, exista uma saga telúrica de meu bisavô na ocupação territorial e no desbravamento do interior do Ceará, através dos trilhos da EFB, depois RVC. Isto nos conforta a todos, pois lhe dá uma dimensão humana de amor à terra, compreensão de seu semelhante, pioneirismo, benevolência, cordialidade e solidariedade. Fico feliz em saber que longe dos rótulos, meu bisavô era uma homem comum, simples e bom, de baixa estatura, carinhoso, cristão, respeitado e afável. Líder e referência  de uma família que lhe honra o nome e o sobrenome com caráter, dignidade e ética.

 

JB Serra e Gurgel, jornalista e escritor,nascido em Acopiara/CE, é bisneto de Henrique Gurgel do Amaral Valente, neto de Francisco Gurgel Valente e filho de Nertan Holanda Gurgel. E-mail:Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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